A idéia de escrever esse livro nasceu da necessidade de divulgar um conhecimento adequado sobre o funcionamento do cérebro deixando de lado o rigor da descrição científica em prol de uma linguagem mais acessível aos não especialistas. Se por um lado muitos cursos na área de saúde, como por exemplo, fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, enfermagem, etc., não discutem o funcionamento cerebral na profundidade que o bom exercício da atividade profissional exigiria, por outro lado, o avanço acelerado das neurociências nos últimos anos tem gerado novas hipóteses sobre a fisiologia cerebral, que por sua vez tem um impacto muito grande sobre as teorias vigentes em todas áreas que se dedicam ao estudo das atividades humanas.
O Projeto ENSCER, que trata do desenvolvimento de ferramentas que utilizam a informática para auxiliar crianças no processo de aprendizagem, além de fornecer subsídios para a caracterização da capacidade cerebral dessas crianças, foi escolhido pela FAPESP como um dos trinta projetos a receber financiamento dentro da linha de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas. O CNPq também selecionou o ENSCER como um projeto de interesse na área de Informática e Educação, e está financiando sua versão Internet. O projeto ENSCER teve como parceiro inicial a APAE - Jundiaí, e nos últimos 4 anos envolveu também outras entidades como a Faculdade de Medicina da USP e o Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas, em pesquisas que visam conhecer o funcionamento do cérebro - normal ou deficiente - para melhor orientar o planejamento do ensino respeitando a função cerebral, quer seja normal, quer seja patológica. Esse livro apresenta essas idéias.
Esse livro está organizado em dez capítulos. No primeiro deles, discuto o porque da existência desse órgão e também algumas das suas propriedades básicas: principalmente aquelas relacionadas ao que chamamos de inteligência.
O capítulo II discute as propriedade básicas dos neurônios e das sinapses, lançando as bases para a compreensão do cérebro como uma máquina de processamento de uma linguagem química, onde os sinais elétricos servem para coordenar essas transações bioquímicas.
O terceiro capítulo dedica-se à discussão da organização neural para o controle da postura e do movimento. Ressalta também a importância da motricidade na cognição e propõe a mímica como forma de representação de conhecimento sobre o meio.
A fisiologia dos sistema sensoriais é apresentada no capítulo IV, tomando o sistema visual como um modelo para a discussão das principais características do processamento sensorial. Discute-se, também, em mais detalhes o sistema somestésico.
Os capítulos iniciais preparam o leitor para a discussão sobre as bases neurais da linguagem humana, tópico do capítulo V. Aqui se propõe um novo modelo para os circuitos neurais envolvidos com as diferentes atividade lingüísticas: compreensão, produção, leitura e escrita. Essa nova abordagem simplifica vários impasses teóricos, tais como complexidade da linguagem humana e a facilidade de seu aprendizado pelas crianças. Considerada como uma especialização da mímica motora como representação do conhecimento, a linguagem é em boa parte aprendida com o uso e a observação do uso do sistema motor.
Na seqüência discute-se o Sono e o Sonho: sua fisiologia e o seu porque. Os circuitos elementares de sincronização da atividade cerebral são apresentados, e sua fisiologia a nível dos neurônios analisadas, tomando-se como exemplos os neurônios sensoriais talâmicos e as células corticais piramidais. Esses conhecimentos são, então, utilizados para modelar os mecanismos básicos envolvidos com o contrôle da atenção.
O capítulo VII trata de dois assuntos importantes: memória e aprendizado. A compreensão da fisiologia desses processos é de fundamental importância para a definição de qualquer estratégia de ensino a ser aplicada no desenvolvimento quer de crianças normais, quer com distúrbios de aprendizagem ou mesmo portadoras de alguma deficiência cerebral. O estudo da memória remete também ao estudo dos mecanismos neurais correlacionados com a compreensão do tempo: quer nas sua dimensão restrospectiva que na sua dimensão de futuro.
O capítulo VIII enfoca os mecanismos neurais para definição e manipulação do espaço. Define-se, então circuitos para referenciais ego e alocentricos. Ressalta-se, a importância do hipocampo na organização dos episódios vivenciados, como um conjunto de informações coerentes em um tempo e um espaço. Os distúrbios da percepção de utilização do espaço são apontados e discutidos.
A complexidade bioquímica das emoções é estudada no penúltimo capítulo. A emoção é apresentada como a ferramenta básica para avaliação da adaptação do indivíduo ao meio. A emoção evolui e se especializa para sinalizar os sucessos e erros associados aos comportamentos, cuja diversidade cresce à medida que os animais se diferenciam na escala zoológica. Os distúrbios emocionais são compreendidos como resultados de lesões cerebrais e desequilíbrios de um complexo sistema neuro-hormonal. O autismo é modelado como uma conseqüência de lesões cerebrais específicas e desequilíbrios do sistema opióides-CRF.
Finalmente, o último capítulo descreve resultados experimentais da análise do eletroencefalograma registrado durante a execução de algumas tarefas cognitivas. São resultados obtidos em experimentos realizados com diferentes grupos de voluntários que utilizaram jogos do ENSCER, relacionados com algumas atividades cerebrais que tem papel importante em várias etapas do aprendizado escolar. Esses resultados são utilizados como suporte de uma teoria sobre a inteligência em sistemas naturais e artificiais: a Teoria dos Sistemas Inteligentes de Processamento Distribuído. A inteligência passa a ser considerada uma característica bem definida e mensurável de uma classe de sistema com uma arquitetura específica.